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O menino que quebrou a corrente da cerca


  A friagem da geada invade a sala e deixa a preguiça no quarto. Era 4h30 da madrugada, Rael tinha que levantar para trabalhar. O relógio vermelho de pilha desperta, sua mãe Maria grita do quarto ao lado.         
  - Filho larga de preguiça e anda logo com esse café da manhã e vê se usa o banheiro antes que sua irmã acorde. 
  Rael responde.
  - Bom dia né Dona Maria. Já estou levantando, vou colocar um moletom. Escovou os dentes, colocou a marmita na mochila, tomou café, pediu uma benção da mãe e foi para o ponto de ônibus.
5h00 o busão passa no ponto. Rael entra e encosta entre o vão do primeiro banco depois da catraca. Uma senhora de blusa tricotada, com cara de sono, está sentada na sua frente e o encarando como se ele incomodasse.
  A cada ponto entra mais gente, todos com a expressão de cansados ​​logo pela manha. O sol apareceu, mas ainda era uma friaca que fazia o pessoal tremer. 05h45 chega ao destino. Desce pela porta do meio, antes esbarra num cara gordo de camisa da seleção, pedi desculpas e sai. Entra correndo, bate o cartão as 5h55 e segue para sua guarita de porteiro.
  Seu supervisor Camilo chega gritando.
  - Rael cadê sua gravata? Ja avisei que é pra por a porra da gravata! Da próxima já chego com a sua advertência.
Ele balança a cabeça, vai ao banheiro e arruma o uniforme de maneira adequada e pensa.
  - Se ele sabousse o que faço pra chegar na hora parava de me encher o saco.
Às 18H00 Rael termina seu turno, porem a rendição chega só às 18h15. Ele pensa.
  - Perdi o busão. Que porra! O próximo só as 18h45! Se vier no horário.
Chega em casa cansado as 19h45, janta e vai dormir. Rotina repetida todos os dias e a folga toda terça feira. A 5 anos tem esse serviço, arrumou assim que trancou a faculdade por falta de dinheiro quando tinha 22 anos de idade.
Sua irmã Bia adora hip hop e sempre esta antenada aos eventos que acontecem no parque da cidade. Seu Pai Rodolfo sempre fala que era pra ela ter nascido homem, pois sempre esta de boné, roupas largas e um estilo inconfundível.
Bia sempre anda com um livro por perto e sempre diz pra Rael.
  - A cerca do sistema eu quebrei a corrente por causa disso aqui Irmãozinho. O livro!
E sempre o convidava para um tal de sarau que ele nem sabia o que era e nem procurava saber também.
  Rael gostava de uma amiga da bia, a Aline. Morena, cabelos longos, olhos castanhos e muito sensual. Porem ela era da vibe da bia só falava sobre coisas intelectuais, politica e participava de movimentos culturais. Rael acredita ser impossível chegar nela para uma conversa, ele só sabia trabalhar e pegar busão.
  No dia das crianças, foi marcado um sarau no parque. E Rael decide ir ao evento.
Corte de cabelo, palestra, brinquedos infantis e muita música. Tudo de graça. O Palestrante era um conhecido ativista do hip hop. Alto, branco, cabelo com tranças afro, camisa xadrez, calça larga e um vocabulário de dar
inveja a qualquer graduado em letras.
  Rael pergunta para um rapaz tatuado, de óculos e com camisa preta:
  - Amigo. como ele chegou a esse nível?
  O Rapaz responde.
  - Mano, esse mano aê é foda tio. Livros mano! literatura irmão! hip hop salva vidas!  
quando vê Aline, diz.
 - Oi. Sou irmão da bia me indicar um livro pra ler? Quero destruir essa corrente e derrubar essa cerca que tanto vocês falam 
Aline responde.   
- Oi maninho! Vou te emprestar o melhor livro que tenho aqui. Vai abrir sua mente para novos horizontes. Que legal! mais um soldado para a guerra contra o sistema.   
Em uma semana Rael já devorou ​​o livro. Em um mês já tinha noção que sua vida girava em torno de um sistema cruel e segregado. Em três meses iniciava atividades no sarau e compreende para que o conhecimento derruba todas as cercas.
Rael então entende que aquele mundo
daria sentido a sua vida, até então, sem vibração.







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